[PERFIL] As mudanças e os aprendizados na trajetória de Pary Souza
- Giovana Costa
- 28 de dez. de 2019
- 17 min de leitura

Conheci Pary em um momento de mudança em minha vida, no meu primeiro estágio. Durante o tempo em que trabalhamos juntas, ela me ensinou muito, lidamos com o inesperado, produzimos entrevistas e matérias, cobrimos eventos, preparamos muitas pautas e até uma exposição! Mas além disso, ela sempre me passou muita força, me mostrou novas formas de encarar o imprevisível e me incentivou, tudo isso enquanto dividia comigo um pouco da sua experiência e da sua maneira de enxergar o mundo. Nada mais justo do que compartilhar com mais pessoas sobre sua trajetória, como estudante, mulher, profissional, militante, mãe, feminista e filha da PUC.
ORIGEM
Maria Aparecida de Souza nasceu em 1965, em São Paulo, no bairro da Lapa e foi criada em Pirituba. Dona de uma personalidade marcante, um sorriso contagiante e uma presença forte, ela prefere ser chamada pelo seu apelido, “Pary”. Durante sua infância, a Lapa era um centro comercial e, Pirituba era uma periferia, um bairro de operários. Passou a infância lá, onde fez o primário e o ginásio (considerado hoje ensino fundamental I e II), na Escola Estadual Ermano Marchetti. Sua família era católica e seus pais eram mais velhos. Na época em que nasceu, sua mãe tinha 39 anos e seu pai 40 anos, ela me conta como isso influenciou na sua infância: Isso faz uma diferença. Nos anos 60 essa idade era considerada de “avós”. Eu fui uma criança que não tinha muita companhia pra brincar comigo. Pois a minha irmã adotiva só chegou depois. Eu me sentia muito isolada, mas era feliz e alegre. Tive uma educação muito boa. Ela relata que viveu este momento enquanto se dava o golpe militar de 64, já que entrou na escola em 1972. Sua geração teve todo o currículo orientado pela reforma militar, sendo assim os alunos não tiveram aulas de geografia, filosofia e sociologia. Ela conta que teve uma educação básica com estudos sociais, educação moral e cívica: A minha geração é uma geração de gente alienada. Nós fazíamos fila na escola antes de entrar para sala de aula, era uma coisa bem militar, tinha que cantar o hino da bandeira. Hoje é importante lembrar disso: o que é um colégio estadual numa época militar. Toda sexta-feira tinha uma espécie de cerimônia antes das aulas que você cantava o hino da bandeira, o hino nacional e a bandeira era hasteada. E eu fiz isso dos 7 aos 10 anos de idade, todas as semanas.

Quando foi para o ensino médio em 1981, ainda durante a ditadura, as dificuldades financeiras ainda se mantinham e ainda existia um estigma de que o segundo grau não era para pessoas pobres. O pobre tinha que fazer somente até a oitava série. Até porque depois começou a ficar pesado para o meu pai pagar, porque claro, é um gasto se locomover, ainda tem o dinheiro do lanche. Quando acabei o primeiro ano do colegial ele falou: “agora chega pode trabalhar, você já estudou bastante”, pois ele tinha feito até a quarta série e a minha mãe até a segunda série, então eu já tinha muito estudo, até mais do que o dobro de estudo que o meu pai teve. Com isso, pensei “ok, vou trabalhar, mas eu não vou parar de estudar”, porque eu gostava muito. Com isso, Pary começou a estudar em outro bairro, que era no centro comercial, onde conheceu pessoas de outros lugares e o mundo começou a se abrir diante dos seus olhos: Comecei a perceber que havia mais do que a casa da tia, havia mais do que a igreja, mais do que a escola e daquele lugar provincial, chamo assim porque era interior. Então, fui trabalhar. Meu primeiro emprego foi no banco auxiliar, na Cardoso de Almeida, minha vida sempre foi por aqui. Ela trabalhava como auxiliar de cobrança e afirma ter dado sorte porque trabalhava 6 horas, o que a permitia ter tempo para os estudos. Depois que terminou o colegial, ela mesma bancou seu cursinho. Pagava e ajudava em casa, comprando o que era preciso. Saiu do banco e depois de um tempo foi trabalhar numa empresa de bicicletas.
Quando começou a trabalhar, passou a conhecer outras pessoas e a ideia de ir além foi aflorando. Ela ainda conta que ao chegar no cursinho, ao passo em que começou a entender um pouco mais sobre política, começou a se dar conta de que havia muita coisa que era escondida dos jovens alunos: tinha muita coisa que a gente não aprendeu, eu só fui descobrir uma história da humanidade que não haviam me ensinado, no cursinho. Ela conta com entusiasmo quando viveu o movimento das Diretas Já: eu tinha uns 18 anos, participei porque tudo aquilo era muito excitante, era tudo muito promissor, fazer parte disso com panfletagem e boca de urna na primeira eleição em 1979 era o máximo! Eu sabia que votar era uma coisa importante, mas nós vivemos um período muito reprimido em que você não podia fazer muita coisa, você não podia andar sem documento, a polícia te parava. Então foi uma geração criada cheia de limites e as pessoas não tinham noção disso. Então participar de um processo em que se pode eleger alguém, escolher alguém, escolher um poder, um deputado, isso era uma coisa muito nova e inspiradora mesmo.
PERSONALIDADE
Como seu primeiro emprego aos 16 anos era num banco, ela se encontrava num ambiente formal. Revela que as moças tinham de seguir um certo padrão: usavam salto, maquiagem e precisavam ser extremamente gentis: aquilo não combinava com o meu jeito. Isso eu tive certeza desde os meus 15 anos porque eu me arrumava da maneira delas e me achava feia. Ela conta que, naquela época, costumava ler uma revista para adolescentes que ela mesma sempre comprava, uma espécie de “Capricho” da época. Afirma que gostava, mas em relação ao visual das moças que apareciam na revista, assim como as moças do banco, ela sentia que não combinava com ela: Eu me sentia mais bonita quando não penteava o meu cabelo. Tudo mudou quando ela conheceu a moda hippie, dos jovens rebeldes e que viviam uma vida mais conectada com a natureza. Quando conheci os hippies, aquela moda mais campestre, mais natural, estilo Zé Ramalho, eu me encontrei. Não sabia tanto o que queria, mas tinha certeza do que não combinava comigo e uma certeza maior ainda de onde eu queria chegar. Mas só aprendi a respeitar as coisas mais caretas com o tempo. Foi nesse momento de identificação com os hippies, na adolescência, que ela começou a acampar com os amigos. A primeira vez em que foi acampar, tinha 18 anos. Todos ficavam na praia, o dia inteiro de biquíni, em 1983 ainda num momento de repressão. Ela conta com animação que se tratava de uma liberdade enorme: os jovens fumavam, bebiam e não havia nenhum adulto careta para encher o saco, como ela costumava dizer. A identificação só aumentava e cada vez mais Pary ia encontrando seu estilo. Fazer a própria comida, buscar água, tomar banho de cachoeira e ter um espaço próprio num ambiente tão tranquilo como a praia, representava para Pary o que ela chamou carinhosamente de “supra-sumo da liberdade”. Até hoje tem gente que me acha “bicho-grilo” e eu tenho um lado “bicho-grilo” na minha essência mesmo. Eu gosto e faz parte da minha identidade. Minha família me chamava assim e as pessoas achavam que estavam me ofendendo, mas para mim era um elogio. Sou mesmo, eu prefiro ser.
PONTIFÍCIA
Sua história com a PUC é longa e, assim como nas relações com pessoas importantes ou marcantes que passam em nossas vidas, cheia de emoções, términos e recomeços, foi exatamente assim que sua história com a Pontifícia aconteceu. Ela conta que, o primeiro curso de graduação que passou pela sua cabeça quando ia iniciar a vida universitária, era o curso de arquitetura, mas que foi uma frustração, pois naquele momento em que ela pensava no curso, só haviam duas faculdades de Arquitetura em São Paulo: a FAU e o Mackenzie. Mas haviam algumas complicações: a FAU era integral, o que a impediria de trabalhar. Enquanto estudar no Mackenzie era difícil por ser muito longe de Pirituba, ou seja, o custo da locomoção seria alto. Como seu salário era baixo e não podia pagar a faculdade, em 1985 ela entrou na PUC para trabalhar. Sua chefe a aconselhou de que poderia entrar em algum curso e depois pedir transferência para outro, foi aí que Pary entrou no curso de filosofia: Posso dizer que, na época, era o curso mais fácil de entrar. Minha ideia era pedir transferência, mas eu acabei gostando. O único problema era que eu achava difícil demais e eu me senti uma burra, porque os textos da filosofia tinham um vocabulário erudito que eu não conhecia, além do próprio vocabulário da filosofia. Sempre disposta a se jogar no desconhecido, apesar das dificuldades, ela encarava da melhor maneira possível. Estudava com dois dicionários e se dedicava aos textos. E apesar do vocabulário confuso, o que a impressionou de verdade ao chegar na Pontifícia foi a diversidade de pessoas. Ela conta que na sua sala essa experiência foi muito positiva para ela: O mais legal era que todas as pessoas eram diferentes, mas todo mundo aprendia, dava risada, brincava e convivia tão bem… isso era muito legal! Era minha turminha do fundão. Então entrar na PUC, estudar com essas pessoas abriu esse outro lado na minha mente… Passei a perceber que são pessoas como eu, algumas com mais dinheiro, outras com menos dinheiro. Eu costumava colocar uma barreira: não me imaginava conversando com alguém muito rico. Na mente dos meus pais, por exemplo, este não era o meu lugar.
Pary fez dois anos de filosofia, mas parou quando conheceu Nietzsche. Ao estudar sobre a verdade e a mentira, ela decidiu sair do curso de filosofia. Ele falava que não existe verdade ou mentira, tudo é relativo, então pensei “o que que eu tô fazendo aqui? Ao sair da filosofia, pediu demissão e resolveu dar aulas. Foi nesse momento que ela decidiu sair de casa. Ela conta que decidiu morar sozinha entre os 18 e 19 anos. Como já trabalhava, ela costumava sair com as amigas e geralmente dormia na casa delas, pois o caminho de volta para casa era grande: Naquela época estava descobrindo esse outro mundo e eu não parava mais em casa. Aquele mundo da minha infância e da minha adolescência tinha ficado para trás. Sempre acabava ficando fora de casa durante o fim de semana, então aí surgiu a ideia de mudar para um lugar mais perto. A decisão foi rápida, ela decidiu morar com alguns amigos professores, em uma república. Como a primeira experiência de contar para a mãe que pensava em se mudar não havia agradado, Pary decidiu fazer diferente, para evitar o que ela chamava de drama e “chororô”: avisou os pais um dia antes da mudança. Claro que eles não ficaram felizes com a notícia, mas como ela já trabalhava e possuía uma independência financeira, deu certo: Minha mãe e meu pai ficaram putos, mas foi muito legal porque era uma comunidade mesmo, de acordo com meu estilo hippie de ser. Claro que todo mundo trabalhava e todo mundo ajudava a manter a casa limpa. Existia até uma tabelinha com as tarefas para cada um de acordo com os dias: quem varre a casa, quem recolhe o lixo ou quem ia lavar a louça, por exemplo. Era um pouco chato, mas funcionava. Depois de algum tempo foi morar com o namorado no Butantã e mais tarde, foi morar com um casal de amigos na Vila Madalena, onde ficou sete anos.

A política na vida de Pary sempre foi muito presente, relembrando os episódios, ela conta das reuniões que aconteciam na república quando foi morar com os amigos: Todo mundo dava aula no Estado e este era um período em que todo mundo era petista, o PT estava sendo fundado, então na minha casa tinha feijoada para arrecadar fundos para o partido. Era muito divertido! Após algum tempo dando aulas em colégio estadual no Jaraguá, ela foi trabalhar na USP, trabalhou nas bibliotecas da Poli, na Engenharia Naval, na Engenharia Elétrica. Neste período ela havia começado o curso de Biblioteconomia, na Faculdade de Sociologia e Política. Depois de algum tempo, começou a perder o interesse e saiu desse curso. Mas ela se afastou pois não estava se identificando: achei muito chato porque eu tinha como referência de universidade a PUC, a área de sociologia e política era pequena. Então não aguentei e acabei voltando para PUC.
Neste retorno para a PUC, aos 20 anos, Pary foi trabalhar na hemeroteca, um dos laboratórios do jornalismo. Na época, os jornalistas precisavam pesquisar informações sobre suas pautas e já que não havia dispositivos de busca online, como encontramos na Internet nos dias de hoje, a hemeroteca funcionava como uma espécie de “Google manual”, como Pary apelidou. Lá nós fazíamos um arquivo de jornais e revistas, então a gente lia os jornais, cortava as matérias e separava em pastas. Quando o jornalista ia escrever sua matéria, ia até a pasta do assunto e fazia sua pesquisa. Depois que a hemeroteca foi incorporada à biblioteca da PUC, Pary foi trabalhar no atendimento, fazendo catalogação dos livros.
FEMINISMO
Cabelos ondulados, óculos escuros estilosos, colares e brincos modernos, atitude e uma personalidade própria. Quem conhece Pary, conhece sua luta, trajetória na PUC e seu carinho pelo feminismo. Mas como será que ela descobriu o movimento? Este é mais um capítulo de sua história com a PUC. Na época em que começou a trabalhar na biblioteca, ela ficava de olho em um livro em específico. Este livro era famoso, ela sempre o-via saindo das prateleiras em direção aos olhos curiosos da próxima leitora. O livro em questão: “O relatório Hite” da autora Shere Hite. Escrita em 1976, a obra traz a primeira pesquisa sobre mulheres feita por uma mulher, mais especificamente, concentra-se no estudo da sexualidade feminina. A partir dessa leitura que a fascinou, Pary passou a ler mais livros feministas. Ela se recorda com muito orgulho do momento em que descobriu um outro feminismo, quando entrou em contato com a militância feminista na PUC. Tudo aquilo era novo para ela, falar sobre o corpo da mulher, suas sensações, falar sobre o prazer e o orgasmo era uma novidade, ainda mais em meados de 1985. Ela conta que entrar em contato com mulheres muito diferentes entre si foi uma das melhores experiências na Universidade: Eu descobri uma militância acadêmica pois se falava de um novo feminismo. Aqui na PUC, neste período, eu encontrava mulheres engraçadíssimas, diferentes… mulher que decidiu ser solteira, outras que viraram militantes políticas, algumas que haviam sido presas, mães de família que estudavam e faziam graduação, ou seja, tudo que eu não havia visto antes. Entrei em contato com um mundo de mulheres completamente diferentes.

Numa conversa muito empolgante, ela me conta sobre diversas histórias sobre mulheres incríveis e situações divertidas. A primeira é a história de uma colega muito querida, chamada Paola Block Patassini. Pary se lembra com carinho da amiga que estudava o feminino mítico e a mitologia das deusas feminina. Encantada, ela se sentia cada vez mais inspirada por essas mulheres que a cada dia mostravam para ela um mundo diferente daquele que ela estava acostumada a ver em Pirituba. Outro relato transformador, foi o episódio em que ela indicada por algumas amigas, conheceu o Coletivo Feminista de Sexualidade e Saúde, onde as mulheres aprendiam a fazer o autoexame. Ela relata que a médica as-instruiu e com um pequeno aparelhinho e um espelho mudou sua percepção sobre o próprio corpo: Havia um aparelhinho que era de acrílico e nos permitia ver nosso próprio colo do útero. Eu fiquei tão encantada de me ver por dentro com um espelhinho simples! Nos livros, nós vemos aquele desenho morto, sem vida. Então foi incrível perceber o meu corpo, saber que era necessário tocar e conhecer a minha sensibilidade. E assim perceber como somos donas dos nossos corpos.

Grande parte do que ela aprendeu, surgiu de parte do convívio com suas amigas, colegas, professoras e do que ela viu nos livros. Ela atribui esse contato com o feminino e com o feminismo dos anos 80 a todas as transformações, atribui a quem ela é nos dias de hoje: Se eu não tivesse lido “O Relatório Hite”, se eu não tivesse conhecido minha amiga que tinha uma filha mais nova do que eu e fazia faculdade, se não tivesse conhecido uma colega que entrou na faculdade com quase 50 anos, se eu não tivesse conhecido minha chefe que tinha três filhos, um namorado e adorava acampar, eu não seria essa pessoa que eu sou. Conhecer essas mulheres diferentes do padrão me fizeram ser quem eu sou hoje. Ela ainda comenta como a pressão de ser uma “mulher perfeita” aos olhos do patriarcado ainda é presente nos dias de hoje. Seja na televisão, na Internet, nas propagandas, nas notícias ou propagandas, sempre existe o corpo “correto”, a roupa “mais adequada”, a “maneira certa” de criar os filhos, todos os modelos de “faça isso, não faça aquilo”. Ela diz que a Universidade foi e ainda é o ambiente que lhe traz mais senso crítico em relação a tudo isso: Quando você está cercada de ordens e modelos a seguir, você acaba buscando aquilo que não é seu. E aí eu penso “O que é seu? Quem você quer ser? O que é do seu gosto? O que te preenche? O que é importante para você e não para a sociedade? O que é importante para você-pessoa-criatura?”. Por isso esse feminismo, esse ambiente e as mulheres que conheci fizeram toda diferença na formação do meu ser, do meu senso crítico, dos meus valores. Porque aqui (PUC) sempre foi um lugar muito diversificado com vários tipos de pessoas e cada um com seu conhecimento.
MATERNIDADE
Foi durante o período de retorno à Universidade que a maternidade aconteceu na sua vida. Aos 23 anos de idade, ela teve sua filha Flora. Uma experiência nova, repleta de mudanças mas também de muito aprendizado e amor: Ela foi uma mudança radical porque aos 23 anos, eu morava na Vila Madalena, na minha casa aconteciam várias festas e de repente tudo isso mudou. Com um bebê não dá para ter o mesmo ritmo, não que eu tenha deixado de sair, mas mudou. Encarando uma nova dinâmica, ela foi adaptando sua rotina e aprendendo junto com sua filha a se colocar no mundo como mãe, sem deixar de viver sua vida. Quando saía, sua mãe ou sua sogra cuidavam de Flora e assim, não deixou de dançar, assistir seus shows favoritos, ou sair com as amigas. Contudo, ela também vivia intensamente a maternidade e descobriu o outro lado de ser mãe: assumir a responsabilidade de cuidar de alguém dependente dela. Ela se lembra com carinho de momentos que, na época, causaram impacto para ela, como perceber as mudanças do próprio corpo: Quando saía e passava duas ou três horas fora, meu corpo já reagia, eu tinha que voltar porque meu peito começava a doer. Então eu brincava falando para as minhas amigas: “preciso ir embora porque eu estou escutando chorinhos do além, alguém está precisando de mim”, porque eu sabia que precisava amamentar no momento. Por mais que você não queira ligar, o seu corpo é de mãe fisicamente e amamentar é uma coisa deliciosa. Eu sempre gostei.

Ela se separou do pai de sua filha, com quem morava há algum tempo, quando Flora tinha um ano e alguns meses. Ele foi morar em Minas Gerais e ela e sua filha foram morar com uma amiga. Pary conta que como sempre dividiu a casa com alguém, foi algo natural. Cuidar de sua filha sozinha foi difícil, mas foi uma experiência que lhe mostrou um outro universo. Foi a partir deste momento, que ela descobriu o que era acompanhar alguém, ela confessa que no começo foi assustador porque precisava adivinhar o que os choros da pequena significavam: Eu não tive irmãozinho pequeno para cuidar então não tinha referência do que era cuidar de uma criança, as minhas amigas que me ajudaram muito. Tinha uma grande amiga querida, ela trabalhava em um berçário de creche e me ajudou muito, me ensinou muita coisa. Também tinha uma vizinha maravilhosa, a Dona Teresa que também estava sempre ali quando eu tinha alguma dúvida. Pois minha mãe morava em Pirituba e vinha me ver de vez em quando, então isso foi um grande aprendizado. Educar um ser, prestar atenção no choro, tudo isso te desenvolve a intuição, te dá perspicácia. Você tem atenção em outros detalhes, passa a enxergar um outro lado. Ao longo do desenvolvimento de sua filha, ela continuou no aprendizado. As fases de crescimento de Flora foram lhe ensinando também sobre o seu próprio desenvolvimento, e a criação lhe fez entrar em contato novamente com os limites. Logo Pary, uma mulher de tanta liberdade estava agora diante de um desafio: impor limites para sua filha. Ela conta que foi uma parte difícil, mas muito necessária: Você precisa ter autoridade, mas não precisa ser autoritário. Estudar linguística me ajudou a entender o desenvolvimento da minha filha e eu vejo que todo esse conhecimento me ajudou na minha vida e me ajuda até hoje.
REDE PUC
Ao acabar o mestrado, começou a dar algumas aulas, mas devido à baixa demanda das aulas, decidiu procurar um setor na PUC. Após algum tempo, Pary chegou na Rede PUC, uma estrutura laboratorial dos cursos de Comunicação, onde é produzido conteúdo para a comunidade puquiana, local onde ela trabalha atualmente. Mais uma grande mudança muito bem-vinda em sua vida, como analista da produção, Pary guia os estagiários ajudando-os com as produções, indicando quais conteúdos serão trabalhados, trazendo ideias desafiadores e certamente, pode-se dizer que ela faz isso muito bem. Ela conta que, é na Rede que a maioria deles têm o primeiro contato com o mercado de trabalho, a Rede funciona como uma espécie de transição. Então para ela, ver os alunos chegarem sem experiência alguma e saírem em direção a grandes veículos é um motivo de muito orgulho. Os estagiários aprendem muito e ela garante que essa é uma via de mão dupla: Eu aprendi muita coisa com o Renato (coordenador acadêmico da Rede), com o Miele (coordenador da AGEMT) e com os próprios estagiários, pois eles que vêm dos cursos de Multimeios e Jornalismo sempre me atualizaram e me atualizam. Estou na Rede há 10 anos, fui me aperfeiçoando e adoro! A gente já fez muita coisa: mini-docs, entrevistas, exposição e etc. Eu fico muito feliz porque eu vejo que as pessoas que passaram por aqui saem bem e voltam com saudade. Eu percebo que o meu trabalho ajudou na carreira dessas pessoas. Trata-se de um ambiente de trabalho menos formal, porém desafiador. Isso dá mais liberdade aos alunos que, por sua vez, sentem-se à vontade e dispostos a produzir conteúdos cada vez melhores.
SOBRE SER AVÓ…
Recentemente Pary ganhou um neto, Matias, um menino muito doce de 4 anos. Quando sua filha contou sobre a gravidez, ela ficou muito feliz e perguntou a Flora se ela realmente queria ter o filho, afinal ela acredita que este é o primeiro passo. Rindo, ela afirma: “Ser mãe querendo ter filho já é difícil, imagina sem querer…”. Ela se recorda com muito amor das primeiras visitas ao médico em que acompanhou a filha. Ao falar sobre a primeira vez em que escutou o coração do neto, com os olhos brilhando e num tom muito alegre ela garante que foi pura emoção: Ouvi o coração dele, aquele “tum-tum-tum”, mas me deu uma emoção assim tão linda, que eu falava: “meu Deus, olha só, tem um arrozinho com coração dentro de você, filha!”. Foi aí que a gente passou a chamar ele de “arroz” porque não sabíamos se era menino ou menina… Ela foi acompanhando os ultrassons, vendo todo o processo de pertinho.
Com oito meses Matias chegou, num momento em que a casa onde ele, a mãe e o pai morariam, ainda não estava pronta. Como a tradição de dividir a casa já era costume, todos foram morar com Pary. Ela se lembra com muito carinho de como Matias era pequenininho e todo o cuidado que ela tinha com ele. A princípio, quando via a filha cuidando, alimentando e trocando o filho, sua vontade era ajudar e mostrar o caminho, olhava aflita, mas segurava a vontade de fazer do próprio jeito. Ela sabia que a filha tinha um jeito próprio de cuidar, assim como ela, aos seus 23 anos foi descobrindo aos poucos como lidar com a situação. Está aí mais um aprendizado, ela conta que Matias a fez perceber que não precisava mais dar conta de tudo sozinha: Como eu criei a Flora sozinha, fazia tudo como um tratorzinho mesmo, tirando as coisas da frente e agindo rápido, sabe. Essa percepção trouxe a consciência de que agora ela também pode ficar mais tranquila e foi assim que ela resolveu ir para o Uruguai, depois de algumas semanas. Como o pai, a mãe e o Matias estavam morando com ela, essas férias foram muito importantes para ela que ela relaxasse e encontrasse um tempo seu. Mas ela garante que esse tempo é passageiro, que logo sente saudade e um pouco emocionada, me revela: Ele é o meu amorzinho, e eu costumo dizer que o pedaço maior do meu coração é dele. Ele fica todo todo, mas eu sou a avó e sei que a palavra da mãe é a primeira, eu sei que sou coadjuvante. Com isso, ela me conta sobre mais um aprendizado, o distanciamento. Ela e Matias são muito próximos, mas para Pary, é bem claro que ao crescer, talvez essa proximidade mude. Para ela, um certo distanciamento é mais seguro, já que ela sabe que os pais estão em primeiro lugar: Como uma boa aquariana já fico pensando no futuro, sei que ele vai crescer e ainda mais no cenário atual em que estamos vivendo no país, não sabemos se vamos ficar muito tempo por aqui. Então eu já tenho essa consciência e isso é um aprendizado, porque ele não precisa de mim para viver, eu não tenho essa responsabilidade. Fui aprendendo a estar ali, mas também não estar.

E apesar das incertezas que o futuro reserva, ela e Matias têm aproveitado muito bem o tempo juntos. Ela inclusive ri bastante ao se lembrar das primeiras semanas: No começo as minhas amigas brincavam “Nossa, você não sai mais depois que esse menino nasceu”, e eu respondia rindo: “Mas é claro! Como vou sair quando vejo aquele bebezinho sorrindo pra mim? Ele é lindo, fofinho, preciso aproveitar agora”. Ela conta que o ritmo mudou, mas que ainda sai bastante, principalmente para dançar. E que inclusive, agora pode sair com ele também. Pary conta que juntos, vão à exposições nos museus, vão ao seu parque favorito, vão ao teatro, passeiam na Paulista onde eles se divertem muito e garante que ele agregou muito a sua vida.
Com tantas mudanças transformadoras, pergunto para ela como encarou a mudança ao longo dos anos. Sorrindo, ela afirma que toda mudança traz algum tipo de evolução e que apesar do medo, ela nunca deixou de encarar nenhuma delas. Sair do conforto te obriga a fazer diferente e eu penso que esse “fazer diferente” é fazer melhor. Eu tenho uma visão evolucionista nesse sentido, meio utópica, mas para mim, você não pode ficar ali parada e eu tenho isso desde criança. Ainda bem que eu mudei. O negócio é respirar fundo e também saber lidar com a frustração.
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